REFORMA PROTESTANTE
A Reforma Protestante foi um
movimento de caráter religioso que marcou a passagem do mundo medieval para o
moderno. Entre um dos fatores de grande relevância que assinalaram esse período
de transformações podemos destacar o novo contexto econômico do período. No
ambiente das cidades, os comerciantes burgueses eram malvistos pela Igreja.
Segundo os clérigos, a prática da usura (empréstimo de dinheiro a juro) feria o
sagrado controle que Deus tinha sobre o tempo.
Além dos comerciantes, a
própria crise econômica feudal também instigou a população a questionar os
dogmas impostos pela Igreja. Os clérigos estavam muito mais próximos das
questões materiais envolvendo o poder político e a posse de terras, do que
preocupados com as mazelas sofridas pela população camponesa. Um dos mais
claros reflexos dessa situação pôde ser notado com o relaxamento dos costumes
que incitava padres, bispos e cardeais a não cumprirem seus votos religiosos.
Já no século XII apareceram os
primeiros movimentos que questionavam as crenças e práticas do catolicismo.
Entre outras manifestações, podemos destacar o papel exercido pelos cátaros,
originários da região sul da França. Naquela região as distinções culturais
históricas propiciaram a ascendência de uma fé cristã à parte dos ditames da
Igreja Católica. Realizando uma leitura própria do texto, os cátaros tinham
valores morais bastante rígidos que se contrastava com o comportamento dos
líderes clericais.
No século posterior, vendo a
grande presença do movimento religioso, o papa Inocêncio III ordenou a
realização de uma cruzada que – entre 1209 e 1229 – aniquilou o movimento
cátaro. Além disso, as acusações de feitiçaria eram bastante corriqueiras entre
indivíduos considerados suspeitos ou infiéis. Já na Idade Média, a Igreja criou
o Tribunal da Santa Inquisição que percorria diversas regiões da Europa,
reprimindo aqueles que ameaçassem seu poderio religioso e ideológico.
Outros intelectuais, nos
séculos XIV e XV, também indicavam como os valores absolutos da Igreja já não
tinham a mesma força mediante as transformações históricas experimentadas. O
inglês John Wycliffe (1330 – 138) redigiu alguns ensaios onde denunciava as
ações corruptas da Igreja e defendia a salvação espiritual por meio da fé. Em
certa medida, as teorias lançadas por esse pensador viriam a influenciar as
obras de Martinho Lutero, no século XVI.
Jan Huss (1370 – 1415) foi um
padre que se preocupou em traduzir o texto bíblico em outras línguas e
denunciou o comportamento dos clérigos católicos. A pregação por ele empreendida,
ao longo da Boêmia, motivou a violenta reação das autoridades do Sacro-Império
Germânico que ordenaram sua morte pela fogueira. A morte de Huss deu origem a
um movimento popular conhecido como hussismo. A grande maioria de seus
integrantes eram camponeses pobres insatisfeitos com sua condição de vida.
O movimento renascentista
também deu passos importantes no questionamento do papel exercido pela Igreja
Católica. A teoria empirista de Francis Bacon; o heliocentrismo defendido por
Nicolau Copérnico; e a física newtoniana descentralizou o monopólio intelectual
da Igreja. O conhecimento gerado por esses e outros indivíduos lançava a idéia
de que o homem não necessitava da chancela de uma instituição que o concedesse
o direito de conhecer a Deus ou o mundo.
Dessa maneira, se formou todo
um histórico de tentativas e fatos que antecederam a consolidação do movimento
reformista. Mesmo sofrendo diferentes ofensivas ao longo do tempo, a Igreja
ainda conservou um conjunto de práticas que complicavam a estabilidade do poder
clerical. A venda de indulgências, a negociação de cargos eclesiásticos e a
vida amoral ainda foram questões que incentivaram o aparecimento das novas
religiões protestantes.
Reforma Luterana
Martinho Lutero era um
professor de teologia pertencente à ordem agostiniana que viveu na cidade de
Wittenberg, na região do Sacro Império Germânico. Durante os seus estudos, ele
foi fortemente influenciado pelas obras de Jan Huss, São Paulo e Santo Agostinho.
Nessa trajetória de estudos teológicos, Lutero acabou formulando um conjunto de
idéias que iam contra muitos dos princípios estabelecidos pela igreja romana.
No ano de 1517, insatisfeito
com a situação da Igreja de sua época, publicou na porta da catedral de
Wittenberg as suas 95 teses. Entre outros pontos estabelecidos por esse
documento, Lutero criticava a venda de indulgências e a negociação de cargos
eclesiásticos feitas pela Santa Igreja. Além disso, Lutero estipulava uma nova
forma de relação religiosa onde, entre outras coisas, afirmava-se que o
indivíduo obtinha a salvação pela fé, e não pelos seus atos.
Os princípios defendidos pelo
pensamento luterano acabaram tendo grande força no interior do Sacro Império
Germânico. Entre a nobreza havia uma grande tendência de oposição contra o
poderio eclesiástico. O Sacro Império era controlado por meio de um processo
eletivo entre os principais proprietários de terra da região. A Igreja, sendo
uma grande proprietária de terras, tinha grande poder de interferência nas
questões políticas do Sacro Império.
Essa questão do poder político
dos clérigos influía em diferentes grupos sociais da época. Os nobres tinham
interesse em se apoderar das terras da Igreja. Ao mesmo tempo, a burguesia
local procurava reduzir o pagamento de impostos devidos aos eclesiásticos. A
classe campesina também viu nesse episódio de confrontação uma grande
oportunidade de reverter sua situação de penúria e subordinação, muitas vezes
aprofundada ou legitimada pelo discurso da Igreja.
Por coincidência, a publicação
das idéias de Lutero aconteceu no mesmo período em que o papa Leão X organizou
uma venda de indulgências em massa. Segundo um documento da Santa Sé, todo o
fiel que contribuísse na construção da catedral de São Pedro teria todos os
seus pecados perdoados. Lutero, motivado por esse exemplo flagrante de cobiça
entre os eclesiásticos, não se curvou mediante a exigência de retratação
imposta pelos líderes da Igreja.
No ano de 1520, Martinho Lutero
foi excomungado e logo em seguida julgado por uma reunião entre os principies
alemães realizada durante a chamada Dieta de Worms. A oposição dos membros
religiosos contou com a resistência de boa parte dos principies alemães, que
refugiaram Lutero no castelo de Wartburg. Nesse período, o monge excomungado se
dedicou à produção de nobres obras teológicas e a tradução da Bíblia para a
língua germânica.
A diferença de interesse por de
trás da nova fé pregada por Lutero foi percebida quando um grande número de
camponeses começou a invadir terras e destruir igrejas. Os revoltosos, também
conhecidos como anabatistas, começaram a empreender uma revolução social que
ameaçava os interesses dos nobres germânicos. Martinho Lutero não deu apoio ao
movimento popular e defendeu o direito de propriedade dos nobres e dos
clérigos.
O clima de tensão começou a ser
revertido quando, em 1530, Martinho Lutero e Filipe Melanchthon estabeleceram
os princípios da religião luterana. Nesta carta, reafirmaram o princípio da
salvação pela fé e afirmavam que a Bíblia era a única fonte de consulta para o
estabelecimento de dogmas. A nova Igreja seria composta por líderes sem
distinção hierárquica e os mesmos não teriam que cumprir voto de castidade.
Depois de fundar os princípios
eclesiásticos do luteranismo, a questão dos conflitos sociais veio a ser
resolvida anos mais tarde. No ano de 1555, os nobres convertidos ao luteranismo
sagraram a assinatura da Paz de Augsburg. No documento ficou decretado que cada
um dos principies alemães tinha liberdade para seguir qualquer opção religiosa.
Por fim, os conflitos diminuíram e uma nova crença se arraigou na Europa.
Calvinismo
O movimento reformista ganhou
força em diferentes partes de uma Europa em intensa transformação. Na Suíça, a
burguesia tinha grande influência nas cidades-república de Genebra, Zurique,
Basiléia e Berna. No entanto, o poderio econômico dessa nova classe social era
tolhido pelos poderes políticos preservados nas mãos dos clérigos que
administravam esses mesmos centros urbanos.
Foi nesse contexto que, no
início do século XVI, o padre Huldrych Zwingli começou a se aproximar das
idéias defendidas por Martinho Lutero. Durante sua vida, o padre humanista teve
grande atuação entre os populares que sofreram com o surto de peste bubônica
que assolou as ruas de Zurique. Essa experiência vivida pelo clérigo o alertou
para a reforma do catolicismo defendendo um tipo de experiência religiosa mais
simples e atuante.
Por iniciativa própria, Zwingli
se envolveu em um movimento reformista que defendia a predestinação absoluta e
criticava a confissão religiosa nas igrejas. No ano de 1531, Zwingli tentou
aproximar sua nova perspectiva religiosa dos grupos conservadores da Suíça. Sua
tentativa de mudança criou uma guerra civil que provocou a morte do líder
religioso. Mesmo sendo morto, seu esforço resultou na assinatura da Paz de
Kappel, que permitiu a liberdade religiosa no interior da Suíça.
A onda reformista atingiu a
Suíça como um todo. Na cidade de Genebra, os habitantes conseguiram destituir o
poder político dos nobres e clérigos. Nessa mesma cidade, o teólogo francês
João Calvino (1509 – 1564) empreendeu uma nova compreensão dos princípios
religiosos defendidos por Martinho Lutero. Na obra “Instituições da religião
cristã”, Calvino defendeu diversos princípios do pensamento luterano e reforçou
a Teoria da Predestinação Absoluta.
Entre outras idéias, o
pensamento calvinista defendia princípios morais bastante rígidos e via no
trabalho e na poupança duas virtudes a serem valorizadas pelo verdadeiro
cristão. A valorização do trabalho e a contenção dos lucros foram princípios
que atraiam vários representantes da burguesia suíça. Em pouco tempo, Calvino
conseguiu uma vertiginosa ascensão política e religiosa que o concedeu o
controle da nova Igreja e do governo suíço.
Segundo os pesquisadores da
temática religiosa, as idéias do calvinismo foram de suma importância para que
o sistema capitalista se desenvolvesse. A idéia de trabalho árduo e acúmulo de
capitais, rechaçados por essa nova denominação, impulsionaram o desenvolvimento
dos negócios e dos novos empreendimentos comerciais. Nesse mesmo período, o
calvinismo ganhou força na Inglaterra, na Escócia, na Holanda e na França.
Anglicanismo
Ao contrário dos primeiros
movimentos protestantes que tomaram conta da Europa no século XVI, o
anglicanismo surgiu em torno de questões que envolviam diretamente os
interesses da monarquia britânica. A monarquia Tudor, que na época controlava o
trono inglês, buscava meios para reforçar a autoridade real frente à forte
influência das autoridades eclesiásticas. Tal disputa se sustentava
principalmente no fato da Igreja ter em mãos uma grande extensão de terras sob
o seu controle.
Na Inglaterra, o rei Henrique
VIII (1491 – 1547) teve grande importância na consolidação da reforma
religiosa. Henrique VIII e a Igreja já tinham uma relação pouco harmoniosa quando,
no ano de 1527, o rei inglês exigiu que o papa anulasse seu casamento com a
rainha espanhola Catarina de Aragão. Henrique VIII alegava que sua esposa não
teve condições para lhe oferecer um herdeiro forte e saudável que desse
continuidade à sua dinastia.
O papa Clemente VII resolveu
não atender as súplicas do monarca britânico. Isso porque o tio de Catarina de
Aragão, o rei Carlos V, estava auxiliando a Igreja contra o avanço dos
luteranos no Sacro Império Romano Germânico. Inconformado com a indiferença
papal, Henrique VIII obrigou o Parlamento britânico a votar uma série de leis
que colocavam a Igreja sob o controle do Estado. No ano de 1534, o chamado Ato
de Supremacia criou a Igreja Anglicana.
Segundo os ditames da nova
Igreja, o rei da Inglaterra teria o poder de nomear os cargos eclesiásticos e
seria considerado o principal mandatário religioso. A partir dessa nova medida,
Henrique VIII casou-se com a jovem Ana Bolena. Além disso, realizou a
expropriação e a venda dos feudos pertencentes aos clérigos católicos. Essa
medida fez com que os nobres, fazendeiros e a burguesia mercantil passassem a
exercer maior influência política.
No governo de Elizabeth I (1533
– 1603), novas medidas foram tomadas para reafirmar o poder da Igreja
Anglicana. Alguns dos traços do protestantismo foram incorporados a uma
hierarquia e uma tradição litúrgica ainda muito próximas às do catolicismo.
Essa medida visava minimizar a possibilidade de um conflito religioso que
desestabilizasse a sociedade britânica. No seu governo foi assinado o Segundo
Ato de Supremacia, que reafirmou a autonomia religiosa da Inglaterra frente à
Igreja Católica.
Contrarreforma
O movimento reformista
católico, também conhecido como Contra-Reforma, se desenvolveu desde a Idade
Média quando os clérigos já percebiam a necessidade de uma revisão nas práticas
eclesiásticas. No entanto, a tomada de ações mais incisivas contra a
fragmentação do poder religioso só se desenvolveram com o aparecimento das
religiões protestantes. Uma das primeiras medidas tomadas pela Igreja foi restabelecer
o Tribunal do Santo Ofício, que atuou na Idade Média contra os movimentos
heréticos.
Durante o mandato do papa Paulo
III (1468 – 1549) foi organizado um dos mais importantes eventos da história
católica: o Concílio de Trento. Essa reunião teve como principal objetivo
buscar uma definição da Igreja frente ao estabelecimento das religiões
protestantes. Após os debates foi definida a reafirmação dos dogmas católicos,
a preservação de todos os atos litúrgicos, a confirmação da transubstanciação,
do celibato e da hierarquia clerical.
Com relação à crise moral
vivida no interior da Igreja, os participantes do Concílio reprovaram a venda
de indulgências e incentivaram a criação de seminários teológicos responsáveis
por aprimorar a formação religiosa dos futuros integrantes da Igreja. Em uma
das reuniões realizadas pelos líderes católicos, ficou definido o “Index
Librorum Proibitorum”, que consistia em uma relação de obras que não deveriam
ser apreciadas pelos verdadeiros católicos cristãos.
Entre outros livros
relacionados estavam o “Elogio da Loucura” (Erasmo de Roterdã), as traduções
protestantes da Bíblia, as obras do italiano Boccaccio e o Livro da Oración
(Frei Luís de Granada). Outra ação que marcou o movimento da Contra-Reforma foi
a criação das ordens religiosas. A mais importante delas foi a Companhia de
Jesus, criada pelo clérigo Inácio de Loyola, fundada em 1540. Seu papel foi de
grande importância na conversão religiosa dos povos colonizados no continente
americano.
A partir de então, a Igreja
conseguiu fortalecer os seus laços e conter o galopante avanço da religião
protestante. No entanto, o novo contexto de diversidade religiosa criou um
mundo marcado por diferentes concepções de fé e vida. Dessa forma, a identidade
do homem moderno se calcava em leque de possibilidades que, antes de tudo,
realçava a sua individualidade e seu poder de escolha.
,Apesar disso, podemos ver que
a sensação de liberdade oferecida pelo próprio protestantismo foi combatida por
seus líderes. A intolerância religiosa e o combate à bruxaria também foram
responsáveis por um movimento inquisidor entre os protestantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário